Conta outra!
Em iniciativa conjunta
do Conselho Nacional do Ministério Público e da Estratégia Nacional de
Segurança Pública, foi lançada nessa quinta-feira (08), com apoio do
Ministério da Justiça e do Conselho Nacional de Justiça, a campanha
“Conte até 10”, com a participação de atletas de MMA e outros
esportistas, voltada a reduzir os chamados homicídios “por impulso”.
Para justificar a campanha, foram invocadas estatísticas sobre as causas
de homicídio no país, fruto de uma pesquisa em onze estados, entre 2011
e 2012. Por esses números, a maior parte dos homicídios esclarecidos no
Brasil seria fruto de impulso, ou, como comumente se os conhece, crimes
passionais.
Até aí, nada a
contestar, pois não se pode deixar de reconhecer a valia de qualquer
iniciativa para a redução de homicídios, por menor que seja seu alcance.
O problema está na forma com que se apresentam os números sobre crimes
de morte no Brasil, sobretudo quanto à sua causa.
Para qualquer leigo que
tome conhecimento da campanha, ficará a impressão de que vivemos em um
país no qual todo cidadão é um assassino em potencial, que mata ao menor
dissabor e, mais do que isso, mata muito. Afinal, são cinquenta mil
homicídios por ano e, segundo a campanha, sua maior parte é cometida por
impulso.
Acontece que essa ideia,
transmitida sem cerimônia na tal campanha, é uma mentira; uma enorme
mentira. Basta uma análise um pouco mais atenta dos aludidos “dados
estatísticos” para se entender como estão sendo utilizados de forma
capciosa, verdadeiramente fraudulenta, em mais uma reprovável tentativa
de iludir o cidadão brasileiro, jogando em seu colo a responsabilidade
pelo astronômico número de homicídios anuais neste país.
Em verdade, toda a
“estatística” que fundamenta a campanha se restringe – e isso não se
nega - aos casos de homicídio esclarecidos, isto é, aqueles em que se
descobriu seus autores e, claro, a motivação. Só que, aí a fraude na
informação, estes não não chegam a 10% (dez por cento) do total de
homicídios registrados anualmente no Brasil!
O que a campanha “não
conta” é que temos hoje uma média nacional de resolução de homicídios de
apenas 8%, e é neste reduzidíssimo universo estatístico que todos os
números justificadores da campanha foram colhidos. Portanto, se a
campanha vende a ideia de que, por exemplo, 60% dos homicídios
esclarecidos foram cometidos por impulso, isso se resume a 60% de 8%, ou
apenas 4,8% do total de crimes de morte praticados por ano em nosso
país. Em números, apenas 2,4 mil dos 50 mil homicídios anuais.
Contar a até dez não tem
absolutamente nenhuma interferência nos outros 92% dos homicídios, nos
quais impera, exatamente, a absoluta inexistência de qualquer relação
interpessoal entre autor e vítima, daí decorrendo a dificuldade em que
sejam solucionados. São os crimes cometidos por criminosos habituais, os
homicídios simples e, hoje, os assustadoramente crescentes casos de
latrocínio.
É preciso ter em foco
que homicídios por impulso, em que há uma relação interpessoal qualquer
entre vítima e autor, são facilmente elucidados, pois neles o homicida
não é um criminoso habitual, que conduz sua vida em fuga das
autoridades. O homicida passional tem uma vida da qual não pode
simplesmente se desligar, tornando-se, aos olhos da lei, um eterno
fugitivo – coisa típica dos criminosos contumazes.
Desse modo, todos os
“dados” considerados pela nova campanha de pacificação social excluem,
já de início, mais de 90% dos homicídios anuais brasileiros, fato que,
em verdade, já estabelece o primeiro filtro estatístico para o total
destes crimes. Uma vez que crimes passionais são facilmente elucidados
e, no Brasil, não há nem 10% de solução de homicídios, simples a
conclusão de que, em mais de 90% de tais crimes, resta excluída a
possibilidade de que decorram de relações interpessoais, ou o agora em
moda “impulso”.
O fato é que mais de 9
em cada 10 homicídios não têm outro impulso senão a atividade criminosa
habitual, decorrendo da ação de bandidos de carreira, para quem não se
vê campanha alguma voltada a impedir que continuem agindo impunemente e,
eles sim, contando infindáveis vítimas.
Se alguém disser que
contar até dez pode ter um impacto significativo na redução de
homicídios estará sendo, no mínimo, leviano. Melhor contar outra.
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Por
Fabricio Rebelo | bacharel em direito, pesquisador em segurança
pública, diretor da ONG Movimento Viva Brasil e colaborador do blog
@DefesaArmada.
>> Texto de livre reprodução, desde que na íntegra e preservando-se a indicação autoral
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